Uma medicina cósmica. Acho que esta é uma boa definição para a Medicina Tradicional Chinesa. Em seus pressupostos básicos repousa a teia universal: todos os pontos de convergência e todos os elos que unem o universo e o ser humano. Nada é separado, link nada pode ser visto apenas por si mesmo. Tudo está magnificamente intrincado. Os astros, health o sol e a lua, os elementos da natureza, as estações do ano, o dia e a noite, as horas, todos os seres, tudo está relacionado.
Dizem os antigos mestres dessa arte de cura milenar, que o universo é regido por dois princípios, duas energias opostas e complementares a que chamam de Yin e Yang: Yin é tudo que se concentra, que está no interior, que converge para o centro, que resfria e pacifica. Yang é tudo o que se expande, que se movimenta, que aquece e que dinamiza. Yin é a energia materializada e Yang é a energia fluida.
Tudo é Yin ou Yang em relação ao seu oposto e complementar. Assim, Yin é a terra e Yang, o céu. Yin é o escuro, é a noite é o frio, é o interior. Yang é o céu, é o dia, é o calor, é o exterior. Yin é a água e Yang é o fogo. Yin é o inverno, a lua e o norte. Yang é o verão, o sol e o sul. Yin é a sombra e Yang é o brilho. Yin é o espaço e Yang é o tempo. Yin é a direita e Yang a esquerda. Yin é o conservador e Yang o inovador. Yin é a mulher e Yang é o homem. Yin é a intuição e Yang a racionalidade. Yin é a cooperação e Yang é a competição. Yin é o repouso e a quietude e Yang é a atividade, a inquietação. Yin é a tristeza. Yang é a alegria. Yin é o medo. Yang é a agressividade. Yin é a calma. Yang a raiva.
Enfim, para cada qualidade Yin você encontrará uma oposta e complementar Yang. Bonito, não acha? Bonito existir a noite depois do dia, surgir a lua depois do sol, a claridade inundar a escuridão e a escuridão envolver a luz. Bonito esta percepção de que tanto Yin quanto Yang são necessários. Nem bom, nem mal. Não há conotação ética nestes conceitos. Precisamos do repouso e da atividade. Precisamos usar tão bem a nossa intuição quanto usamos nossa racionalidade. E não há nada tão poderoso para afastar a tristeza, do que um novo motivo para a alegria.
Porém sabemos que à noite sempre sucede um novo dia. E assim também podemos olhar nossas emoções: a um estado emocional sempre sucede outro. Estacionar na tristeza ou na raiva, por exemplo, seria como prolongar indefinidamente a noite ou o dia, ou seja, o desequilíbrio.
E observe! Entre a terra e o céu existem muitas nuances, assim também entre o escuro e o claro, entre o frio e o calor, e assim por diante.
Entre o Yin e o Yang há pelo menos três possibilidades. Por exemplo: Yin é o frio e Yang é o calor. Entre o frio e o calor existe o fresco, o neutro e o morno. Yin é a noite e Yang é o dia. Entre o dia e a noite existe o amanhecer, o meio-dia e o anoitecer.
Aqui no ocidente conhecemos quatro elementos: Água, terra, ar e fogo. Alguns citam também o éter, como sendo um quinto elemento. Para os Mestres Chineses, entre a água (Yin) e o fogo (Yang) existe a madeira, a terra e o metal. Assim Yin e Yang que são dois se tornam cinco: Na natureza cinco elementos (madeira, fogo, terra, metal e água), relacionados a cinco*(1) direções (leste, norte, centro, oeste e sul), relacionadas à cinco estações do ano: primavera, verão, canícula (os últimos dezoito dias de cada estação), outono e inverno.
Cada estação apresenta um dos cinco fatores climáticos: vento, calor, umidade, secura e frio. E na natureza prevalecem cinco cores: verde, vermelho, amarelo, branco e preto. Também são cinco as fases da vida: nascimento, desenvolvimento e crescimento, vida adulta, velhice e morte.
No ser humano cinco são os órgãos internos (fígado, coração, baço, pulmão e rim), cinco as vísceras complementares (vesícula bilear, intestino delgado, estômago, intestino grosso e bexiga), cinco os órgãos dos sentidos (olhos, língua, boca, nariz e ouvidos), cinco os tipos de tecidos (tendões, vasos, músculos, pele e ossos), cinco os sabores (ácido, amargo, doce, picante e salgado) e cinco as emoções relativas ao desequilíbrio de cada órgão (raiva, euforia, preocupação, tristeza e medo). E haja cinco!
Como já dissemos antes, tudo está intimamente relacionado: Na primavera, o elemento predominante é madeira , o fator climático característico é o vento, a direção é leste, a cor é o verde e é quando tudo nasce. A fase da vida correspondente é a infância. O órgão interno mais sensível na primavera é o fígado, que rege os tendões. Sua víscera correspondente é a vesícula bilear. Fígado e vesícula bilear se manifestam nos olhos. O sabor é o ácido. A emoção predominante do fígado é a raiva ( também o ressentimento e a frustração ).
Como entender tudo isso? Vamos lá!
Se na primavera o órgão mais sensível é o Fígado e a emoção predominante do fígado é a raiva, isto significa que na primavera estaremos mais expostos a crises de mau humor por estarmos mais irritadiços. Podemos ter acessos de raiva com mais freqüência e com mais facilidade, ficarmos ressentidos ou frustrados.
Quando dizemos que o Fígado se abre nos olhos, estamos dizendo que problemas do fígado podem se manifestar nos olhos, como por exemplo, a hepatite que deixa o branco do olho amarelado. Também fica fácil de entender as conjuntivites serem mais freqüentes na primavera: O fator climático predominante é o vento, que irrita os olhos e traz os microorganismos. Quando o Mestre Chinês diz que o fígado rege os tendões, está dizendo que desequilíbrios na energia do fígado podem fragilizar os tendões, predispondo à tendinites. Interessante, não é?
Mas tem o outro lado: A primavera é a infância, é a manhã da natureza. É o Yang nascendo do Yin, é quando as sementes germinam, o talo das plantas crescem, se desenvolvem e explodem em flores, cujo pólen é espalhado pelo vento leste. A cor predominante na natureza é o verde. Na realidade, este fígado sensível é uma grande usina encarregada de distribuir a energia que fabrica a todos os setores do nosso corpo. Usina estimulada pelo sabor ácido, que segundo os médicos chineses, na primavera está no ar. Assim devemos reduzir o consumo de alimentos de sabor ácido (frutas ácidas, alho, vinagre, picles e vinho) para não cair em excesso. Também as gorduras e frituras devem ser evitadas já que o fígado está sensível. Meditar , refletir, evitar contendas e discussões será especialmente bom nesta época do ano, para proteger o fígado! Importante saber como os alimentos podem alimentar a nossa raiva ou acalmá-la, não é?
O Yang ( a energia expansiva, o calor e a luz) continua crescendo e chega o Verão. O elemento predominante agora é o fogo. O calor substitui o vento, a direção sul, o leste, a cor vermelha, o verde. Estamos no meio-dia da natureza, no máximo do calor e da luz, no máximo do Yang. Nosso coração é agora, o órgão interno mais solicitado. O coração, cuja víscera correspondente é o intestino delgado, que rege os vasos sangüíneos e se manifesta na língua. O coração cuja emoção predominante é euforia, a alegria desmedida. E o sabor predominante na natureza é o amargo. Assim, seguindo a regra, devemos evitar os amargos (café, chocolate, pimentas, gengibre, cravo e canela). Gorduras e frituras agridem os vasos sangüíneos e devem ser especialmente evitados nesta época do ano.
Aqui, a sabedoria consiste em saber que evitando os amargos, frituras e gorduras, podemos nos manter mais serenos, naturalmente, ajudando nosso corpo a auxiliar nossa mente.
Também é o melhor período para estarmos atentos às nossas emoções. Alegria e tristeza em excesso farão mal ao nosso coração. Já ouvimos contar de alguém que ganhou na loteria e ao ficar sabendo enfartou. Também aquele que passou mal quando o time do coração fez o gol. No verão, nossas energias e emoções emanam do nosso interior em direção ao exterior. O verão é a adolescência da vida. Estamos quentes e precisamos refrescar-nos. Nosso calor sai pelos poros sob forma de suor, espinhas, cravos e irritações da pele. Pouca roupa, ambientes abertos, lugares frescos e espaçosos, trarão tranqüilidade e bem-estar. Banhos de mar, cachoeira, são purificantes! O contato com a sombra e com a água é prazeroso e bem-vindo. O verão é o período de aperfeiçoamento dos seres em direção à plenitude. É também quando a energia sexual está mais ativa.
Os dezoito últimos dias de cada estação são, para os chineses, a quinta estação do ano, a canícula. Agora tudo vai em direção ao centro(2) e o elemento predominante é a terra. Dizem eles, que nestes dias podemos ter o clima de todas as estações do ano. É a época das chuvas e o fator climático predominante é a umidade. O órgão em evidência é o baço-pancreas e a emoção que o sensibiliza é a preocupação. A natureza, que viveu sua infância na primavera e a sua adolescência no verão, chega agora à idade adulta. Na natureza tudo está em contínuo movimento e transformação.
O pensamento obsessivo, as idéias fixas debilitam o baço-pancreas. Quando nos fixamos em qualquer coisa, estamos indo contra o movimento natural do universo, que é de contínua transformação e isto é o desequilíbrio. Nos dias de canícula, mais do que habitualmente, devemos estar atentos para evitar os excessos. Banhos nem muito quentes, nem muito frios são adequados. O sabor predominante é o doce (farinhas, massas e doces). Isto significa que devemos reduzir esse sabor na alimentação e evitar os extremos: alimentos muito quentes, como as pimentas e muito frios, como o melão e a melancia.
Empregar muito bem o nosso tempo em atividades criativas vai evitar que fiquemos nos “pré –ocupando” com coisas que ainda não aconteceram e jogando preciosa energia fora. Ah! E para os compulsivos: Excesso de alimentação e de meditação também roubam energia do baço-pancreas! Isso nos ensina a evitar alimentos que nos predispõe à ansiedade e preocupação, como os doces e farinhas. Pesquisas ocidentais mostram que o açúcar inicialmente induz à formação de serotoninas, substâncias que dão uma sensação de bem –estar. Por isso, que as pessoas quando estão preocupadas ou ansiosas sentem vontade de doces. Porém este bem-estar é extremamente passageiro e logo substituído por mais ansiedade e depressão.
Sopra agora uma delicada e refrescante brisa. O Yang, que atingiu seu máximo no verão, agora decresce vagarosamente. Tudo está pronto. O verão já amadureceu os frutos. É o outono. É a colheita. O Yang decresce e o Yin começa a se manifestar. Agora a direção é o oeste e o elemento é o metal. O órgão em evidência é o pulmão, que além de sua função respiratória, controla o nosso volume de água, ou seja, a umidade no nosso organismo. As chuvas se foram. Predomina a secura. As frutas são fartas e maduras e começam a cair juntamente com as folhas das árvores que envelhecem, amarelecem e caem formando tapetes para nossos pés e adubo para a terra. No ar, a energia do sabor picante, da matéria envelhecida e fermentada. É a velhice da natureza. Agora a regra é o essencial. O sabor picante (gengibre, nabo, azeitona, pimenta verde, caroço de algodão, bebidas alcóolicas, iogurtes, queijos, carne bovina) deve ser reduzido especialmente nesta época . As emoções que debilitam o pulmão são a tristeza, a melancolia e o luto. Não podemos evitá-las, mas podemos evitar ficar nestes estados emocionais por longo tempo. Cultivar a alegria, o gosto de viver e a compreensão, não abusar dos alimentos picantes, são bons antídotos. Evitar apanhar frio e chuva, não ficar com roupas úmidas também é importante. O banho morno é o mais indicado.
Um belo dia acordamos e…uma brisa gelada entrou pela fresta da janela e nos levou a cobrir até o queixo! Chegou o inverno. O Yin máximo se instalou. Ao inverno corresponde o elemento água e o órgão rim. A direção agora é o norte e a cor é o preto das árvores desfolhadas e nuas. A natureza dorme. Um ciclo morre. A emoção que desequilibra o rim é o medo. Medo da morte? pânico, insegurança? Não é preciso. Sabemos que tudo recomeçará de uma nova forma na primavera. A Medicina Tradicional Chinesa situa no rim a sede maior de nossas energias, de nossa vitalidade e sexualidade. É onde estão guardadas as nossas reservas! É onde nossas energias são estocadas. O sabor presente no ar é o salgado. Assim, devemos reduzir o sal na alimentação. Também o açúcar. O rim rege os ossos e o excesso de açúcar desmineraliza os ossos. É hora de agasalhar-se bem, dormir cedo e acordar tarde, depois que o dia amanheceu. Tomar banhos mornos e chás quentes. É hora de comer feijão, sopas e carnes. Alimentos bem temperados com temperos mornos (salsa, cebolinha, orégano e manjerona ) são bem-vindos. Os chineses dizem que no inverno, a energia do mundo está trancada. É hora de se recolher a ambientes fechados e aquecidos e planejar, Não é o melhor momento para começar uma atividade nova. Apenas para delineá-la, imaginá-la, visualizá-la, planejá-la. É época de recolhimento, de meditação, de abstração, de silêncio interior, de auto – conhecimento. Bonito, não?
Os mestres chineses ensinam que há causas de desequilíbrio, de doença: fatores internos, fatores externos e fatores mistos.
Os fatores internos são as emoções. Segundo eles, as emoções debilitam determinado órgão ou sistema, o fragilizando e o expondo à doença.
Agora, repare: Raiva, euforia, preocupação, tristeza e medo são emoções normais. Todos nós sentimos em alguma situação na vida. A raiva é uma força de defesa poderosa quando somos duramente agredidos de qualquer forma. Porém, cultivá-la é perigoso e contraproducente. Se ficamos com raiva porque alguém foi injusto conosco pela manhã, tudo bem. Porém, se continuarmos com raiva o dia inteiro, de forma que nem consigamos usufruir de pessoas e acontecimentos com que a vida nos presenteou neste dia, estamos com problemas. Percebe?
Da mesma forma a euforia. Estar alegre é bom e alegria é sinônimo de ser feliz. Porém, a euforia ou alegria desmedida, o excitamento máximo fere o nosso coração. Viver procurando situações excitantes e estressantes por natureza, querer viver sempre em estado de êxtase, exaure o nosso coração. Até porque a vida é uma onda, tem altos e baixos, momentos de alegria e outros nem tanto, não é mesmo?
Impossível não ficar triste quando perdemos alguém que amamos ou algum bem a que estávamos muito apegados. Porém, cultivar o luto dessas situações indefinidamente, vai debilitar o nosso pulmão, baixando a imunidade e permitindo que contraiamos doenças respiratórias. É célebre a história da Dama das Camélias, que contraiu tuberculose por ser obrigada a desistir do seu amado. Também bem conhecida é a vida dos poetas românticos que cultuavam a tristeza e, que, por coincidência (?) morreram, na sua grande maioria, de tuberculose. Compreende?
Todos nós conhecemos pessoas muito preocupadas. Na verdade, da maneira como está o planeta, atualmente, é difícil não nos preocuparmos, seja com nossos entes queridos, com a natureza, com o trabalho, com os nossos recursos econômicos, com nossa saúde e por aí afora. Porém, apenas preocupar-se, adianta? A preocupação é estéril por si mesma. Nos leva a ficar pensando em alguma coisa, exaustivamente, em vez de resolvê-la. Nos leva a antecipar em pensamento, com grande sofrimento, algum grande desastre pessoal ou coletivo. E nos impede de agir. Pois cultivá-la impede que achemos uma saída para o problema. Se acharmos a saída, a preocupação acaba, não é? Perdemos dessa forma muita energia e acabamos debilitando o baço-pancreas e o estômago. Aliás, não são as pessoas mais preocupadas, que acabam desenvolvendo gastrites e úlceras?
É o medo que nos faz parar e olhar para os dois lados, antes de atravessar uma rua movimentada. É o medo, que faz com que pensemos duas vezes quando temos de tomar alguma decisão importante.. É o medo que faz com que a mãe agasalhe e cuide do seu filho pequeno para não expo-lo a perigos. Então, o medo, em essência não é nem bom, nem mau, concorda? É necessário para a sobrevivência. Porém, quando a nossa vida e os nossos atos passam a ser controlados pelo medo, quando o medo se torna paralisante, alguma coisa está muito errada. Concorda?
Assim, as emoções só se tornam um fator de desequilíbrio para nossos órgãos internos quando permanecem conosco intensamente por um longo tempo. E a alimentação pode ser uma das formas de ficar consciente delas e de como abrandá-las. Se somos “pavio curto” sabemos agora que devemos dar especial atenção ao nosso fígado. Se temos tendência à depressão evitar o consumo desenfreado de doces pode ajudar. Se o medo para nós é muito intenso, proteger o rim é necessário. Se somos muito preocupados, que tal dar um voto de confiança a vida e às pessoas? Comer menos doces, também ajuda.
E os mestres chineses, com seus olhinhos puxados, com seu sorriso de eterno bom humor, com sua grande paciência, ensinam:
“ O uso moderado nutre. O excesso e a falta agridem.” Sabedoria.
Ponto Final.
Rita Maria Chaves de Córdova
Fisioterapeuta, acupunturista e professora de Yoga
(1) No ocidente consideramos quatro pontos cardeais: leste, sul, oeste e norte . Os chineses consideram o “ centro” como o quinto ponto cardeal.